layout: post title: "Orientando pesquisadores: Qual a diferença entre a vida acadêmica em uma universidade americana e brasileira?" date: 2013-10-09

categories: situatedcognition, bigdata

Us Brazil

Professores, pesquisadores e estudantes brasileiros frequentemente me perguntam sobre as diferenças entre a vida acadêmica em uma universidade americana e brasileira. Apesar de nunca haver trabalhado profissionalmente em uma universidade brasileira, eu tenho colaborado com professores e estudantes brasileiros desde o início da minha carreira. Nos Estados Unidos minha principal experiência é com a Duke University, mas tambem trabalhei em colaboração com professores em várias outras instituições. O texto abaixo tenta resumir o meu ponto de vista pessoal sobre as principais diferenças:

1. Uma moeda única

No Brasil as métricas para avaliação de produtividade acadêmica são variadas, envolvendo conceitos com colaborações internacionais, número de alunos orientados para mestrado ou doutorado, atividades educacionais, interface com indústria, atividades acadêmicas administrativas, entre outros. Nisso o Brasil segue uma linha que é comum em vários paises na Ásia e Europa. Nos EUA, apesar de universidades diferentes apresentarem métricas institucionais diferentes, na prática a métrica se reduz a uma única coisa: Trazer recursos financeiros para a sua pesquisa dentro da instituição. Uma segunda métrica relacionada a primeira é a geração de publicações originais em revistas de alto impacto. Apesar de uma série de tentativas de valorização de outras métricas, e um todo um discurso retórico institucional, na prática todo o restante é secundário. Por exemplo, no setor de pesquisa biomédica atividades clínicas são consideradas uma importante fonte de renda e professores são fortemente encorajados a manter os seus volumes de pacientes tão ocupados quanto possível, mas em termos de reconhecimento acadêmico o trabalho clínico é quase irrelevante. Orientar estudantes de pós-graduação é consideado bom, desde que essa orientação seja financiada por alguma agência de financiamento externa, ao contrário essa atividade será vista como um item de despesa no orçamento. Mesmo os artigos originais que possam representar contribuições para o campo podem ser considerados secundários se não forem apoiados por financiamento externo. E por último, um financiamento que venha de uma instituição de prestígio como o National Institutes of Health (NIH) é preferível a um financiamento via indústria. No entanto, se o valor vindo da indústria for alto, ninguém irá reclamar, apesar de que isso está mais e mais difícil com a crise da indústria farmacêutica mundial.

2. Professores são responsáveis por cobrir o seu próprio salário

Embora haja variações entre diferentes universidades, há duas categorias principais de professores: Professores de pesquisa (Research Professors) e Professores em um tenure track. Professores de pesquisa são responsáveis por cobrir os seus salários por meio de financiamento de pesquisa. Caso eles não consigam cobrir pelo menos uma boa parte do seu salário eles sao demitidos. Ao contrário dos professores de pesquisa, outros professores que tenham um maior potencial começam suas carreira com um tenure-track. No tenure-track depois de algo em torno de oito a dez anos, eles são avaliados e nesse momento ou são promovidos para uma posição de tenure ou são "convidados a sair". Os que receberem a tenure não podem mais ser mandados a não ser em casos extremos, como por exemplo quando seja comprovada fraude científica ou no caso de haver um relacionamento amoroso com um estudante.

3. Mérito e política

Em contraste com muitos países na America Latina, Europa e Ásia, promoções e até mesmo ser contratado como professor é uma questão primariamente de mérito e bem menos de política. Obviamente, egos, alianças políticas e contar vantagem podem ajudar, mas esses fatores geralmente não se sustentam a longo prazo a não ser que o professor consiga atingir a métrica central: trazer financiamento para a universidade.

4. Atividades de empreendedorismo

A criação de empresas por professores, as assim chamadas "start-ups", é uma tendência crescente nos EUA. E por boas razões: com o crescimento do sistema de pesquisa nos EUA, a capacidade do governo para financiá-lo é limitada, havendo uma necessidade urgente de integrar a produtividade acadêmica com necessidades reais da sociedade. Apesar de toda uma retórica de apoio ao empreendedorismo, a universidade é uma organização muito grande e geralmente lenta, onde os hábitos antigos persistem por um tempo prolongado. Isso significa que apesar de todo um discurso pró-empreendedorismo a moeda única ainda prevalece: Aquisição de financiamento é considerado imensamente mais importante do que a criação de empresas. Como as atividades empresariais não são um método particularmente eficaz para atrair financiamento na maioria dos casos, nesse momento há muito mais conversa do que ação em relação a realmente promover a criação de startups, apesar de que existem instituições que fogem a essa regra e provem ambientes realmente fecundos.

5. Cérebros, egos e orientadores

Nas melhores universidades americanas a fama dos professores normalmente se conecta a realidade, e que quer dizer que você se vê circundado por pessoas realmente inteligentes, gerando idéias excelentes. Obviamente, esses grandes cérebros são, muito frequentemente mas não necessariamente, acompanhados de egos que superam em muito o tamanho dos cérebros. Ou seja, se você tem as habilidades políticas para lidar com esses egos a possibilidade de sucesso é grande. Mas sempre, apesar de manobras políticas ajudarem, a moeda única de atração de financiamento predomina, e sem ela a política sozinha não vai levar a lugar algum. Em relação a orientadores, existem bons e maus orientadores. Algumas pessoas simplesmente tem sorte e conseguem encontrar um verdadeiro orientador que vá guiá-lo. Eu tive essa sorte. Tendo dito isso, os orientandos absolutamente não devem esperar que os seus orientadores irão lhes dizer tudo o que deve ser feito. A iniciativa é essencial, assim como a capacidade de trabalho sem esperar que o seu orientador vá monitorá-lo. A expectativa e que todos os que estejam trabalhando sejam profissionais maduros e com responsabilidade. Outros tem menos sorte vão cair com alguém que não se vê como um verdadeiro orientador.

escrito por Ricardo Pietrobon